carta aberta (rascunho)
ao cuidado dos senhores da Música no Coração
(que da primeira podem até saber alguma coisa, mas do segundo têm muito pouco)
É com grande tristeza que constato a necessidade destas linhas. Atrevo-me a tomar-vos alguns minutos, mais por delicadeza para com o mundo e por amor à verdade do que, confesso, por alguma noção de dever ou de fidelidade que sinta para convosco. Mesmo assim, um mundo em que não pudéssemos dizer a verdade, mesmo quando para isso usamos meios tão prosaicos como um post num blogue insignificante, e uma prosa tão desornamentada como esta, não seria um mundo onde eu quisesse viver.
Caros senhores, indo directa ao assunto, escrevo-vos para relembrar a diferença entre 'e' e 'ou'. Num país em que toda a gente será, mais tarde ou mais cedo, "mestre", e em que ninguém parece preocupar-se muito com isto, assusta-me - mais, entristece-me - deparar-me com o facto (este sim, bruto) de que esta distinção, por ventura uma das mais elementares da lógica, i.e. do modo como pensamos, é completamente ignorada, ou pior desprezada pelos senhores.
E se é, para mim, quase perfeitamente indiferente que decidam polvilhar o "festival do sudoeste" de espanhóis, há coisas que não posso admitir.
'E' é o operador de uma conjunção: serve para dizer que duas coisas se verificam simultaneamente. Para que, por exemplo, a expressão " 'national' e 'marcelo camelo' " seja verdade, é preciso que aconteça a coisa a que se está a chamar 'national' e a coisa a que se está a chamar 'marcelo camelo'. Já em " 'national' ou 'marcelo camelo' " , é apenas necessário que ocorra um deles - a proposição só será falsa se não acontecerem os dois.
Ora bem, dizer a alguém que esteja a pensar ir ao vosso festival que vai poder ver National, ('e') o Marcelo Camelo, ('e') os Buraka Som Sistema, ('e') a Ladyhawke é uma grande mentira. (e dizer que constam todos do cartaz é uma verdade, mas uma verdade que serve para pouco mais do que para dizer 'já viste como está o cartaz do sudoeste este ano?') Era preciso dizer que se vai poder ver National ou Marcelo Camelo, e Buraka Som Sistema ou Ladyhawke - e do mesmo modo nos outros dias. Isso, ou ter os horários dos concertos disponíveis a tempo de se poder ponderar. Freud (que imagino que já tenham ouvido falar), dizia muitos disparates, mas dizia uma coisa muito certa: começamos por ceder nas palavras, e acabamos a ceder no resto. E eu, meus caros senhores, não posso ceder.
Passar por cima desta distinção, mais do que mentir, é mentir sem coração. No vosso caso, siginifica que alguém (e.g. eu), já de bilhetes na mão, é confrontada com a terrível obrigação de escolher. Talvez os vossos clientes mais existencialistas achem alguma graça a isto, mas eu, confesso, fiquei apenas pasmada: de repente um dia com um cartaz que parecia, vá, engraçado, transforma-se num puro exercício de crueladade, ou, pior, de moralismo.
E isto, mais uma vez, meus senhores, eu não posso admitir.
Agradeço a vossa atenção, e peço-vos que não tornem a fazer de mim parva,
Cordialmente,
5 comments:
a qual foste, já agora?
(está-se meio meio caminho de realizar um jantar - ainda deve vir longe /vai em projecto - de bloguers .. és do porto ou lx? se não for entrar por terrenos privados adentro)
national+buraka,claro. não pude não ir aos national
:)
Esse é apenas um dos motivos (são tantos) que me afastam do Sujoeste com alguma náusea. Fui duas vezes. Não sei explicar porque fui uma segunda.
'Faith No More' ou 'Giro FlorCaveira'?
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