can you carry my drink?, i have everything else

16.10.06

doía-lhe o lugar do coração. e já não consegia dançar em vez.
disse-lhe: devolve-mo ou diz-me que o guardas. pensou: guarda-o por favor. e surpreendeu-se a continuar: para sempre.
viu-se no ar, então, suspensa. não se podia (sabia?) mexer. esperar em suspenso já não é dançar (e um bailarino sofre a tragédia de ter sempre de voltar ao chão para o impluso). estava amarrada ao instante em que se viu a pensar, tímida mas nitidamente: para sempre. era a vez dele, agora. seria? às vezes ela não sabia se o deixava jogar.
repreendeu-se: não é um jogo. há que ser rigorosa. ela apenas o pressentia. ficou nervosa na barriga quando percebeu que não demorava muito já até...
não conseguiu escolher uma palavra.
e um medo terrível espalhou a vertigem da barriga às pernas primeiro, aos braços, a cabeça. procurava uma boa palavra para esse medo, mas medo que é medo não alinha em metáforas: ela tinha medo que ele não gostasse dela. que ele não fosse para ela. que ela não fosse para ele. um medo ácido.
então lembrou-se do verão, de mergulhar nas ondas que mais a assustavam - as enormes, as cheias de força, aquelas em que quando não se acerta na profundidade exacta para lhes passar por baixo, se (como se diz?) enrola. enrola valentemente. lembrou-se das vezes em que, por ter falhado essa medida de profundidade certa, veio sacudida, indefesa, totalmente à mercê do mar (que é água, não esqueçamos) até a praia: o biquini fora do sítio, areia nos cabelos, o corpo todo de areia, engasgada, tonta. e também se lembrou de uma vez (uma precisa) em que acertou no mergulho. (acertar no mergulho é uma boa expressão, pensou, como que para o lado). e de como se sentiu, não poderosa, não forte, mas infantilmente contente, quase, sim, quase como estar apaixonada, mas sem objecto. exactamente assim, tal como quando ouvia uma certa música que nunca revelaria.
saboreou em paralelo os dois momentos, e em vez de deles concluir alguma coisa, como ela própria estava à espera, ouviu-se dizer, para dentro: dá-me a mão, abraça-me, dança comigo até nos adormecermos.

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It would not only be more human, it would be more humble of us to be content to be complex
g.k.chesterton